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Este artigo impressionou-me imenso, li, reli, rereli.
Pasupathi’s not convinced that it matters that much whether life stories are perfectly accurate. A lot of false memory research has to do with eyewitness testimony, where it matters a whole lot whether a person is telling a story precisely as it happened. But for narrative-psychology researchers, “What really matters isn’t so much whether it’s true in the forensic sense, in the legal sense,” she says. “What really matters is whether people are making something meaningful and coherent out of what happened. Any creation of a narrative is a bit of a lie. And some lies have enough truth.”
...
A life story is written in chalk, not ink, and it can be changed. “You’re both the narrator and the main character of your story,” Adler says. “That can sometimes be a revelation—‘Oh, I’m not just living out this story, I am actually in charge of this story.’”
Whether it’s with the help of therapy, in the midst of an identity crisis, when you’ve been chasing a roadrunner of foreshadowing towards a tunnel that turns out to be painted on a wall, or slowly, methodically, day by day—like with all stories, there’s power in rewriting.
No passado, Toulouse foi um dos epicentros da nossa vida familiar. O pai passava lá temporadas longuíssimas, a trabalhar, e no ano passado lembrámo-nos de recriar uma das viagens em que íamos ter com ele para passar uns dias. Fomos. No filhos, no maridos (só o da minha mãe), os quatro. E foi … tão divertido! Quem disse que não se deve voltar aos lugares em que bla bla bla? Fizemos a ronda das ruas e das lojas familiares, fomos aos restaurantes de sempre, demos o passeio dos tristes (Carcassonne) e, sobretudo, rimo-nos tanto! Chegámos a casa e uma das primeiras coisas que fizemos foi planear a viagem do próximo ano. Outra vez a um sítio onde já fomos juntos. Não vejo a hora. Oh, que luxo é ter 47 anos e poder voltar a ser só filha, não ter uma preocupação no mundo, ter ataques de riso com os pais. É que se olhar em volta, não são assim tantos os meus amigos que poderiam fazer o mesmo.
O meu filho mais velho está a ter um 5º ano glorioso. Passou de uma pequenina escola do 1º ciclo com 180 alunos para uma média, com mais ou menos 1000.
Com ele foram sete ou oito amigos da primária, dois para a mesma turma. Têm sido um apoio espectacular uns para os outros, passam muito tempo juntos mas também já fizeram amizades entre os miúdos do resto da turma. Tiveram uma sorte brutal com os professores que lhes calharam - a minha impressão é que não há um que não seja bom - e adoram especialmente as aulas de Português (yay!) e de Inglês. Matemática, nem tanto, o que me entristece um bocadito.
O professor de Português é um senhor muito simpático cujas aulas os cativam imensamente porque trata as crianças de igual para igual, recorre muito à tecnologia e transfere para os alunos imensa responsabilidade. Coisas que os fazem sentir importantes, como marcar trabalhos de casa à 6ª para discutirem na 6ª seguinte, mandá-los fazer apresentações orais das quais a primeira foi ''Fala sobre ti'', dar-lhes liberdade para gerirem as leituras - 1 livro da biblioteca + 1 livro de casa em cada período, seguidos de preenchimento de ficha de leitura - repartir a avaliação em muitos, muitos momentos para além dos testes, os miúdos adoram.
A professora de Inglês é a directora de turma, uma senhora com figura e estilo de top model de 50 anos, que até poderia ser confundida com uma dondoca, não fora o facto de ser muito, muito simpática e, como diz o António, muito alegre. Gosta tanto daquilo que pede para fazer fichas de Inglês em casa ''como recompensa'' por ter ajudado a levantar a mesa (sim). A chegada do 5ºB à escola começou em grande, logo no dia da apresentação e de todos os nervosismos, porque foram acolhidos por esta senhora que os conduziu na visita guiada da praxe - todos os directores de turma do 5º ano fizeram o mesmo - distinguindo-se dos outros pela boa disposição com que ia explicando as coisas aos pequenitos. E é incrível como todos pareciam pequenitos, nesse dia.
A professora de Inglês ganhou de vez o coração do António na 3ª ou 4ª semana de aulas. Ele andava a sentir-se acossado por um grupo de miúdas mais velhas que lhe bloqueavam a passagem nas escadas e outras graças inofensivas mas que o deixavam aflito porque era em todos os intervalos e não encontrou outra saída: foi pedir ajuda à directora de turma. E a senhora disse, muito indignada:
''Com os meus alunos ninguém se mete, nem que seja preciso eu tirar um sapato e ir lá dar-lhes com ele no rabo!''
Não foi mas o António sentiu-se consolado e apoiado. Uns dias depois, as miúdas fartaram-se e foram chatear outro pequenito qualquer. Nós ficámos maravilhados com a imagem da Professora, do alto do seu metro e oitenta, com o traje sempre impecável, a sacar do stiletto para dar com ele no cú das adolescentes parvas, perdoem a redundância. É de grande Professora! Isso e a característica que o meu pequeno mais vezes refere quando fala das aulas de Inglês: é muito alegre. Se o António aprende ou não muito Inglês, é uma preocupação de 2ª linha. Mas sim, aprende e com grande prazer. Ficou babadérrimo porque no 1º teste a professora lhe pôs um carimbo que dizia ''proud of you'' e o mandou - e a outros, certamente, descobrir em casa o que queria dizer. O miúdo até corou de satisfação quando percebeu.
Viva, viva a escola pública, pelo menos a que nos tem calhado.
Uma das primeiras músicas que ouvi na vida, pelo menos desde que tenho memória.
Ando a pensar escrever este post há muito tempo. Nunca o pus cá fora porque me fazia confusão partilhar uma história que de certo modo não é minha e que evoca um período muito doloroso das vidas de pessoas de quem gosto muito. Espero que agora não faça mal.
Nos meses finais de 2014, depois de vários anos de luta titânica contra um tumor do pâncreas, o estado de saúde de um amigo de quem gostava muito começou a degradar-se de uma maneira que se percebia não ter retorno. Em Novembro estava muito mal.
Numa das tardes em que o fui visitar ao hospital, perguntei se havia alguma coisa de que precisasse ou que lhe desse prazer e eu lhe pudesse levar. Conversa de circunstância, a tentar disfarçar a impressão que me fazia - a mim e a todos - encontrar naquele estado tão débil uma pessoa antes cheia de vida, semiparalisada e com um discurso quase inaudível.
Ele olhou para mim, demorou um bocado a responder e depois sussurrou:
- ''A Arte de Continuar Português''. Procurei esse livro por todo o lado durante anos e nunca o encontrei.
Fiquei siderada. Por em alguém cuja ligação à vida era um sopro tão ténue, a vida ''dentro'' persistir com tanta vivacidade, por dentro de uma cabeça que toda a gente sabia estar a muito curto prazo ainda haver tanta coisa, sei lá.
Saí do hospital a meio da tarde e não consegui pensar em mais nada no resto do dia.
Se consegui? Claro, no dia seguinte.
Liguei para livrarias, consultei sites, perguntei a alfarrabistas. Nada, zero, inexistente. Depois puxei pela imaginação. Fiz um telefonema, contei a história. Na manhã seguinte fiz uma viagem, conheci uma pessoa amorosa que ficou comovidíssima com o que lhe contei e teve a amabilidade gigante de, sem me conhecer de lado nenhum, me emprestar o seu próprio exemplar do livro, que o autor - o pai - lhe deu e autografou quando ela era miúda.
Mais ou menos 30 horas depois da conversa, entreguei o livro no quarto do hospital, radiante. O destinatário ficou tão espantado! Fartámo-nos de rir com a admiração dele, contei a história, conversámos, fui para casa.
Não houve tempo para terminar a leitura (em voz alta, pela dedicadíssima mulher do meu amigo) mas isso é só um pormenor sem importância. À conta do episódio do livro conversámos e rimos e momentos que as circunstâncias encaminhavam para um desfecho triste encheu-se, por momentos, de vida e de partilha (aconteceu muitas vezes nesse período). Para mim acendeu-se ali um clarão qualquer e penso neste episódio muitas vezes. Fiquei imensamente comovida por este amigo ter olhado para mim e reconhecido a pessoa que talvez conseguisse levar a cabo uma missão desta natureza.
É que realmente sou. Não muito mais que isso, mas isso sou. Não que valha muito.
Não é só nos consultórios médicos que se vê a vida a acontecer. Como diz a minha amiga Fungaga, se uma pessoa mantiver os olhinhos abertos, a vida acontece em todo o lado.
Motivada pela leitura deste artigo, resolvi fazer um curto inquérito na 1ª aula aos alunos de um curso novo, a que dou aulas neste semestre. Tive disto:
Não sou original relativamente ao sentimento de horror que se apoderou de mim quando ouvi os relatos e vi as imagens do inferno que se abateu sobre Portugal no fim-de-semana.
Aquele vento do demónio que sufocava e o calor estavam a perturbar-me há uma data de tempo e já tinha comentado que era uma combinação bombástica para desengatilhar incêndios mas em momento algum pensei ser possível a repetição de uma tragédia desmedida como a que tinha acontecido em Junho.
38 pessoas mortas?! Bombeiros sozinhos, polícias a darem informações erradas, GNRs desorientados a pedirem desculpa por não conseguirem ajudar?!
E no meio dos cenários apocalípticos os discursos desastrosos dos governantes. A inenarrável e impreparada ministra, o secretário de estado (o facto de aparentemente ser uma jóia de pessoa e de no passado ter tido, ele próprio, de fugir de casa com a família por causa de um fogo que lavrava lá na zona dele não o livra da obrigação de ser competente e de suster um discurso adequado, pois não?), o primeiro-ministro e o seu discurso de gelo de ontem à noite...
Não saberá esta gente que as palavras não são vãs e matam?
É suposto partirmos do princípio de que o Estado é incapaz, em situações de catástrofe? É que é isso que tenho ouvido nos sucessivos discursos dos responsáveis.
É certo que os fenómenos atmosféricos como os que desengatilham muitos fogos são incontroláveis e no domingo o tempo estava dinamite mas e a desorganização e a falta de quem mande com competência nas instituições com responsabilidades?
É impossível não recordar que desde a tragédia apocalíptica de Junho, o único responsável que que deixou as funções que exercia, o chefe da Protecção Civil, saiu por questões relacionadas com ... as habilitações literárias.
Não, não vou faltar à manifestação que se vai realizar no sábado, aqui no Porto. Não sei quem organiza nem se é uma coisa consistente mas sinto que se vive um momento em que alguma coisa tem mesmo de mudar, nem que seja para tudo ficar na mesma.
Deixo aqui o texto de um jornalista cuja credibilidade é à prova de tudo. Leiam e ajuízem.
Passei a noite nas estradas entre Nelas, Viseu e Seia. Pude testemunhar o seguinte: não havia bombeiros em aldeias totalmente envoltas em chamas. Não havia rede de telemóvel num raio de centenas de quilómetros. Ninguém conseguia contactar com ninguém, incluindo a polícia e os bombeiros. A polícia dava informações erradas às pessoas, que as poderiam levar à morte. Os agentes da GNR, com a voz a tremer como crianças assustadas, pediam desculpa por não saberem nada. Completamente desorientados, cortavam estradas onde não era necessário, e permitiam que automobilistas entrassem em vias envoltas pelas chamas. Foi o caos total. O desespero. A uns 10 quilómetros de Seia, na estrada 231, a polícia deixou-me avançar em direcção a um armazém de pneus a arder à beira da estrada, ao lado de uma bomba de gasolina. Atravessei a massa negra de fumo, entrei num troço de estrada a arder. O asfalto estava em chamas, com vegetação ou outro material combustível incandescente cobrindo toda a faixa de rodagem. Em frente, labaredas colossais erguiam-se no meio do caminho e avançavam na minha direcção, trazidas pelo vento. Se um pneu do carro tivesse rebentado pelo fogo no pavimento, provavelmente não teria conseguido sair dali.
Fiz meia volta, voltei à povoação de Paranhos, onde as pessoas, com as casas, armazéns e carros a arder, esperavam ajuda, em vão. À revelia das indicações que me foram dadas, dirigi-me para Nelas, e consegui chegar a Viseu. Não sei o que aconteceu àquelas pessoas em Paranhos, que ficaram encurraladas entre os vários incêndios. Nos olhos delas, daquela mulher sozinha no seu carro, com os dois cães, daquele homem meio despido, rosto empastado de suor e fuligem, com um balde na mão para tentar salvar a casa e a família, vi total abandono, total impotência, total humilhação.
Como foi possível deixarmos que isto acontecesse outra vez? Como foi possível que, depois de Pedrógão, o país não se tivesse mobilizado, com todos os seus meios, como se se tratasse de uma guerra, de uma verdadeira catástrofe? Talvez por não ter acontecido em Lisboa? Só lá estamos a salvo. Vejam se compreendem: isto não é um fait-divers de Verão. É o fim do mundo.