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O fim do mundo

por titi, em 17.10.17

Não sou original relativamente ao sentimento de horror que se apoderou de mim quando ouvi os relatos e vi as imagens do inferno que se abateu sobre Portugal no fim-de-semana.

Aquele vento do demónio que sufocava e o calor estavam a perturbar-me há uma data de tempo e já tinha comentado que era uma combinação bombástica para desengatilhar incêndios mas em momento algum pensei ser possível a repetição de uma tragédia desmedida como a que tinha acontecido em Junho.

38 pessoas mortas?! Bombeiros sozinhos, polícias a darem informações erradas, GNRs desorientados a pedirem desculpa por não conseguirem ajudar?!

E no meio dos cenários apocalípticos os discursos desastrosos dos governantes. A inenarrável e impreparada ministra, o secretário de estado (o facto de aparentemente ser uma jóia de pessoa e de no passado ter tido, ele próprio, de fugir de casa com a família por causa de um fogo que lavrava lá na zona dele não o livra da obrigação de ser competente e de suster um discurso adequado, pois não?), o primeiro-ministro e o seu discurso de gelo de ontem à noite...

Não saberá esta gente que as palavras não são vãs e matam?

É suposto partirmos do princípio de que o Estado é incapaz, em situações de catástrofe? É que é isso que tenho ouvido nos sucessivos discursos dos responsáveis.

É certo que os fenómenos atmosféricos como os que desengatilham muitos fogos são incontroláveis e no domingo o tempo estava dinamite mas e a desorganização e a falta de quem mande com competência nas instituições com responsabilidades?

É impossível não recordar que desde a tragédia apocalíptica de Junho, o único responsável que que deixou as funções que exercia, o chefe da Protecção Civil, saiu por questões relacionadas com ... as habilitações literárias.

Não, não vou faltar à manifestação que se vai realizar no sábado, aqui no Porto. Não sei quem organiza nem se é uma coisa consistente mas sinto que se vive um momento em que alguma coisa tem mesmo de mudar, nem que seja para tudo ficar na mesma.

Deixo aqui o texto de um jornalista cuja credibilidade é à prova de tudo. Leiam e ajuízem.

Passei a noite nas estradas entre Nelas, Viseu e Seia. Pude testemunhar o seguinte: não havia bombeiros em aldeias totalmente envoltas em chamas. Não havia rede de telemóvel num raio de centenas de quilómetros. Ninguém conseguia contactar com ninguém, incluindo a polícia e os bombeiros. A polícia dava informações erradas às pessoas, que as poderiam levar à morte. Os agentes da GNR, com a voz a tremer como crianças assustadas, pediam desculpa por não saberem nada. Completamente desorientados, cortavam estradas onde não era necessário, e permitiam que automobilistas entrassem em vias envoltas pelas chamas. Foi o caos total. O desespero. A uns 10 quilómetros de Seia, na estrada 231, a polícia deixou-me avançar em direcção a um armazém de pneus a arder à beira da estrada, ao lado de uma bomba de gasolina. Atravessei a massa negra de fumo, entrei num troço de estrada a arder. O asfalto estava em chamas, com vegetação ou outro material combustível incandescente cobrindo toda a faixa de rodagem. Em frente, labaredas colossais erguiam-se no meio do caminho e avançavam na minha direcção, trazidas pelo vento. Se um pneu do carro tivesse rebentado pelo fogo no pavimento, provavelmente não teria conseguido sair dali.
Fiz meia volta, voltei à povoação de Paranhos, onde as pessoas, com as casas, armazéns e carros a arder, esperavam ajuda, em vão. À revelia das indicações que me foram dadas, dirigi-me para Nelas, e consegui chegar a Viseu. Não sei o que aconteceu àquelas pessoas em Paranhos, que ficaram encurraladas entre os vários incêndios. Nos olhos delas, daquela mulher sozinha no seu carro, com os dois cães, daquele homem meio despido, rosto empastado de suor e fuligem, com um balde na mão para tentar salvar a casa e a família, vi total abandono, total impotência, total humilhação.
Como foi possível deixarmos que isto acontecesse outra vez? Como foi possível que, depois de Pedrógão, o país não se tivesse mobilizado, com todos os seus meios, como se se tratasse de uma guerra, de uma verdadeira catástrofe? Talvez por não ter acontecido em Lisboa? Só lá estamos a salvo. Vejam se compreendem: isto não é um fait-divers de Verão. É o fim do mundo.

 

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