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Ele descobriu as telenovelas

por titi, em 25.06.14

Sou fã de telenovelas. Tenho memórias muito nítidas do tempo pós-25 de Abril em que a versão original da ''Gabriela'' animava os serões da casa em que passávamos férias, em Sesimbra, ainda me lembro do tom de voz da F.E., amiga dos meus pais (ainda longe de imaginar que 14 anos mais tarde, ia perder o filho mais novo num acidente de mota), a rir e a comentar ''que seca, isto acaba sempre na melhor parte'' no fim de um episódio em que o Tonico Bastos escapa por um triz a ser apanhado pelo marido de uma das suas muitas conquistas. Os primeiros segundos de voz da Gal Costa a cantar a Modinha para Gabriela arrepiam-me a cada vez que os ouço. A telenovela que se seguiu foi o Casarão, por volta de 1977, e lembro-me perfeitamente de uma data de cenas e de muitos actores. Na banda sonora estava este clássico maravilhoso mas a música de que mais gostava era outra. Durante muitos anos não pensei nela, não fazia a menor ideia do nome nem de quem a cantava mas há uns tempos, já na era youtube, fui à procura e descobri que me lembrava da letra quase toda. Seguiram-se outras, uma data delas, Água Viva e a voz da Baby Consuelo naquela versão que prefiro às do Caetano (e que estranho é para mim preferi uma canção do Caetano na voz de outro que não ele), Guerra dos Sexos (uma moca), Sassaricando, Vereda Tropical (ria-me tanto com esta!), Dona Xepa (uma cena em que a D. Xepa usa o dinheiro da conta da luz para pagar um batôn à filha má ficou-me para sempre), divertia-me tanto com aquilo! Depois começaram a chegar as portuguesas, primeiro muito incipientemente, depois mais profissionalizado e em geral uma grande bosta, com muitos actores só com duas expressões faciais, intrigas de pastel e cenários de papelão. Depois do boom que nos oferece pelo menos três telenovelas a cada hora do dia, desinteressei-me do assunto e fui ver cinema francês mas a maternidade, as responsabilidades da vida adulta e a escassez de cinema bom na cidade do Porto não são compatíveis com vícios cinematrográficos por isso agora estes prazeres têm de ser mais desfrutados em casa. Muitas vezes sinto falta do escurinho do cinema chupando drops de anis longe de qualquer problema perto de um final feliz mas também não é nada mau abancar no pouf na companhia do marido depois de deitar os meninos e papar episódio atrás de episódio de algum das séries muito, mesmo muito, boas que para aí vão aparecendo. E muitas vezes uma telenovelazita também. Mas vai daí que ... na 2ª feira, com o dito marido às compras no Continente, o Vasco a dormir e um António em casa, já de férias, a implorar para fazer uma coisa especial ao serão e ir tarde para a cama, propus-lhe:

''queres ver a telenovela da SIC comigo?''

Alegria, alegria, quase se babava de emoção, embora sem fazer ideia do que uma telenovela é. Deitou-se no sofá com uma mantinha nas pernas - para ele, a ideia de conforto tem de envolver uma manta de polar, mesmo que lá fora façam 40 graus - e os pés no meu colo, que lhes ia fazendo festas. Expliquei-lhe brevemente que uma telenovela é uma espécie de teatro a imitar a vida real, apresentei-lhe os personagens à medida que iam aparecendo e ele interessadíssimo, a papar aquilo do princípio ao fim. Achou muito interessante a Maria da Gaiola Dourada aparecer ali sem o seu José e o facto de chamarem Vasco ao Tomé do Bairro do Panda mas gostou imenso. Reparou que um personagem ladrão tem a cara igual à de toda a gente, que a menina da cadeira de rodas tem filho, namorado e faz desporto, que a Laura é amiga dos filhos mas às vezes faz coisas más. Deve ser mesmo isso que os argumentistas querem e eu nada contra o meu filho de 7 anos ir aprendendo um bocadinho sobre a natureza humana a ver a telenovela. Na vida há lugar para tudo e não me importo nada se nos interesses dele coexistirem a trampa e a sofisticação. A única chatice deste novo interesse do António é que a ver o Sol de Inverno com ele ao pé não posso passar para a frente a toda a velocidade as cenas em que aparecem a Floribela e sua trupe.

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