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Vou pôr aqui o texto que o editor Manuel Alberto Valente publicou há pouco no facebook e que me recordou a minha própria dificuldade com os aviões.
Depois de uma vida (até aos 30 anos) a andar de avião a um ritmo que em certas fases foi quase frenético, com a naturalidade de quem está em casa a ir do quarto para a sala, de um momento para o outro passei a sentir pavor de pÕr os pés numa coisa dessas.
O clique aconteceu com um grande susto que apanhei num avião de 3 lugares, na Nova Zelândia, amanhã vou procurar fotos e escrever um post sobre isso.
Por agora, o texto do Manuel Alberto Valente:
Dentro do avião, preparando-me para voar de Lisboa para o Porto.
Nos anos setenta voei muito - para além de quatro viagens entre Lisboa e Luanda (serviço militar, claro), percorri vários países da Europa e visitei a antiga União Soviética (de Moscovo e Leninegrado, passando pelos Países Bálticos, até às lonjuras do Usbequistão e da Sibéria.
No princípio dos anos oitenta, depois de uma ida e volta a Frankfurt, alguma coia aconteceu que me bloqueou a vontade de voar. Ainda fui a Paris, já no início deste século, mas a experiêcia não foi muito estimulante. Nunca mais voei.
Em Agosto próximo, o meu sobrinho Kiko Pedreira vai casar nos Açores - não podia fazer-lhe a desfeita de faltar ao casamento.
(Avião em movimento na pista; são 15 horas em ponto)
Decidi então começar a "praticar": hoje vou ao Porto, dentro de dias desloco-me a Londres, à Feira do Livro, em fins de Abril estarei na Madeira para um encontro literário e em Agosto os Açores esperam por mim (São Miguel, Terceira, Faial e Pico).
(Vamos descolar. Afinal foi só uma aproximação à pista... Pequena paragem. Ruído enorme das hélices, aqui mesmo ao lado. Suponho que o comandante aguarda ordens. Arrancamos agora. São 15,14. Ruído ensurdecedor. Já estamos no ar).
É complicada esta coisa das fobias. Apoderam-se de nós sem sabermos bem como e de repente estamos prisioneiros. Quando aconteceu comigo, não foi só o avião: foram os ascensores, o metro, os túneis,até as salas de cinema quando ficava escuro. Pouco a pouco fui vencendo o medo. Faltava o avião.
Não está a ser tão difícil como pensava. Preparei-me psicologicamente ao longo de muitos dias (não sou diferente dos outros, há milhares e milhares de pessoas a voar em cada minuto, tenho perdido muitos sítios com esta mania mas ainda há muitos sítios à minha espera, etc., etc., enfim uma quantidade de argumentos capazes de vencer o "bicho").
E agora aqui estou. Totalmente tranquilo? Claro que não.
(Vêm servir bebidas e snacks; peço um copo de vinho -tinto, não têm branco. Converso um pouco com a minha vizinha do lado, uma jovem brasileira que estuda em Paris e vai agoa ao Porto visitar uns tios. Está a ler o "Paris é uma Festa", do Hemingway.)
São 15,42. Creio que daqui a pouco começaremos a descer. Neste avião pequeno, as pequenas oscilações enjoam-me um bocado. Mas não é muito diferente do Alfa Pendular.
(O vinho tinto é mau; sei que é um voo interno, mas podiam servir uma coisinha melhor).
Trouxe comigo para ler um livro da nova Vampiro - "O Grande Mistério de Bow", do Israel Zangwill -, mas até agora não lhe peguei. A leitura exige-me uma descontracção que francamente não tenho.
(Creio que estamos a descer. São 15.51. Registo que o avião é um ATR 72-600 de 70 lugares. Avisam agora oficialmente a descida. São 16 horas; devíamos estar no Porto, mas ainda só vejo núvens. No meio das núvens. Já se vê terra. Voando agora sobre o mar. São 16,06. Devemos estar a apontar a Pedras Rubras. Cada vez mais baixo. São 16,12. Tocamos terra. O avião imobiliza-se na pista.)Texto escrito em tempo real.