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O fim-de-semana estava a correr tão bem, leve, sossegado, em paz.
Depois ... fomos ver este filme.
Fomos à sessão das 13h mas o mal-estar é pegajoso como aquele calor húmido que se sente à saída do avião nos países tropicais e ainda não se nos descolou da pele.
Obrigada, muito obrigada. É para isto mesmo que o cinema serve, é para isto que a arte serve.
É o meu sentimento no fim de muitos dos nossos fins-de-semana. Penso muitas vezes que deviamos dar mais espaço e tempo aos pequenos para se arrastarem por casa sem obrigações mas a verdade é que eles acordam sempre tão cedo que, se sairmos às 11h da manhã, já tiveram muito tempo para o arrastanço, para verem um episódio do Beirais (adoram aquilo) e para começarem a implicar um com o outro; por isso, vamos mantendo o ritmo mais ou menos frenético.
Manhãs de sábado, sempre fisioterapia para o António. Desta vez o Vasco também foi porque o pai foi trabalhar. Enquanto um fica na sua sessão, que adora porque a fisioterapeuta é um amor e farta-se de conversar com ele, eu vou com o mais pequeno tomar café e comprar pão, comprar o jornal e ''ver casas'', uma actividade muito cara entre nós. Eu estava cheia de dores de barriga, daquelas que aparecem todos os meses e com que na minha idade já não se conta mas que me atormentam, e não me apetecia nada andar, mas ele estava tão entusiasmado com a ideia que lá marchámos pelas ruas laterais a uma das mais feias do Porto, a Avenida Fernão de Magalhães. Como uma hora passa num instante, o tempo não dá para muito mas chega para o Vasco achar que é um explorador. No fim fomos almoçar a uma das nossas hamburgerias artesanais preferidas e alámos para a oficina de arte sobre a Vieira da Silva em que os tinha inscrito e que eles adoraram. Eu estava filadinha em que ia passar 90 minutos a ler numa esplanada da Foz quando ouvi uma voz familiar atrás de mim e vi, na multidão do Molhe, um casaco que me é muito familiar porque já ficou várias vezes esquecido na nossa casa. Era uma família muito amiga, num dos primeiros passeios da sua bebé recém-nascida. Demos umas voltas por ali e fomos todos buscar os meus pequenos, que encontrámos felizes e com várias criações lindas inspiradas no trabalho da Vieira da Silva. Conversa para cá, conversa para lá e eu cada vez mais mal disposta, fui para casa com os meus e mais um, porque o filho dos nossos amigos e o Vasco são grandes amigos e não perdem uma oportunidade de se abancarem na casa um do outro a travar infindáveis batalhas com sabres de luz imaginários.
Chegados a casa, mandei-me para cima da primeira cama que vi, atirando a baixo a pilha de roupa para dobrar que tinha deixado em cima dela, e deixei os miúdos em auto-gestão, coisa que não tem importância nenhuma porque eles também não davam pela minha falta. Pelo meio ainda me fartei de berrar com o Vasco por ele ter estragado a T-Shirt que estavam a pintar para o pai e tive a oportunidade de ouvir um sermão do amigo dele que me disse que era muito feio eu ralhar assim com o Vasco porque ele não tinha percebido que não era para pintar assim e não fez por mal. Senti-me uma mosca.
O nosso pai lá chegou, jantámos juntos e eu melhorei do incómodo e do humor. No fim de tudo ainda fui ao cinema ver este filme, cuja história me impressionou tanto, tanto, que já encomendei o livro e andei a pesquisar na net sobre a história das senhoras e já mandei uma mensagem aos meus alunos a recomendar o filme. E se o meu filho fosse um bocadinho mais crescido, ia com ele ver. O filme propriamente dito é OK mas não especialmente bom. Agora a história de segregação, racismo, machismo, chauvinismo que conta é que me impressionou deveras e acho que toda a gente devia conhecer, sobretudo agora que a memória viva daquele tempo começa a desvanecer-se.
Pais de adolescentes, tudo ao cinema!
E assim aconteceu o meu sábado.
Depois de um filho mais velho que praticamente nasceu a falar impecavelmente, as palavras que o pequenino pronuncia mal - também não são muitas - são por mim registadas para a posteridade como se fossem jóias.
Por exemplo, ele gosta muito de frangoesas e acha que já sabe escrever em menoscrito. O basquetebol é um bocado esquisito porque é preciso passar o tempo todo a tribular.
Tenho de tirar este peso de cima. Sabem aqueles momentos da vida de que saímos a sentir-nos uma besta por não nos termos chegado à frente quando isso podia ter feito diferença?
Pois o meu último (de vários ao longo dos anos) aconteceu hoje e saí de lá quase a chorar de raiva, de repulsa, de impotência, sei lá de que mais.
Foi assim que aconteceu:
Depois do almoço fui tomar café com um amigo (um irmão, quase) ao bar da nossa escola. Os meus sentimentos dividem-se quanto a frequentar esse bar porque embora à hora do almoço pairem sempre por lá várias pessoas de quem sou amiga e com quem gosto de trocar uns disparates durante os minutos do café, também por lá se ouvem muitas bujardas que ferem os ouvidos por parte da ala - sobretudo masculina - machista e muito estúpida que normalmente está mais ou menos diluída entre as centenas de pessoas que por aqui trabalham.
Então, como ia dizendo, hoje, quando estava a tirar o café da máquina e a conversar com o tal amigo que, by the way é gay, entrou um colega nosso todo pimpão e sorridente a dizer em voz bem alta ''deixa-me cá dar um beijinho às senhoras que aqui, que hoje é Dia da Mulher''.
Deu.
Eu achei aquilo um bocado disparatado mas estiquei-lhe o pescoço para receber o beijo. O meu amigo entretanto saiu e foi à vida dele.
E o outro disse para o grupo de homens que lá estava:
''Ainda bem que certos colegas nossos sairam senão ainda tinha de lhes dar um beijo também''.
Foi isto. Meteu-me nojo. Senti repulsa. Não disse nada.
Aliás, piada não tem nenhuma , é só uma boca que estou constantemente a ouvir, sobretudo quando vou a restaurantes com um grupo de pessoas, e que acho profundamente estúpida.
Ah, tu que és de Matemática vê lá quanto é que dá a cada um..
Vê lá quanto é que dá a cada um?! Contas?! O que é que eu tenho a ver com isso, nem sequer tenho jeito para contas!
Fico a pensar em como a esmagadora maioria das pessoas não faz a menor ideia - e talvez a importância do raciocínio matemático fosse um bocadinho mais estimada socialmente se houvesse mais cultura geral matemática - do que se faz no trabalho com a Matemática que vem a seguir à que se aprende na escola.
Por exemplo, isto:
A vida real de quem trabalha com coisas destas tem este aspecto, onde é que estão os números e as contas?
Claro que ninguém tem obrigação de saber os pormenores de assuntos que não niteressam a mais que 2 ou 3 pessoas mas esta cena de, de cada vez que vamos almoçar fora, vir sempre um engraçadinho com a boca, irrrrita-me!
Vou pôr aqui o texto que o editor Manuel Alberto Valente publicou há pouco no facebook e que me recordou a minha própria dificuldade com os aviões.
Depois de uma vida (até aos 30 anos) a andar de avião a um ritmo que em certas fases foi quase frenético, com a naturalidade de quem está em casa a ir do quarto para a sala, de um momento para o outro passei a sentir pavor de pÕr os pés numa coisa dessas.
O clique aconteceu com um grande susto que apanhei num avião de 3 lugares, na Nova Zelândia, amanhã vou procurar fotos e escrever um post sobre isso.
Por agora, o texto do Manuel Alberto Valente:
Dentro do avião, preparando-me para voar de Lisboa para o Porto.
Nos anos setenta voei muito - para além de quatro viagens entre Lisboa e Luanda (serviço militar, claro), percorri vários países da Europa e visitei a antiga União Soviética (de Moscovo e Leninegrado, passando pelos Países Bálticos, até às lonjuras do Usbequistão e da Sibéria.
No princípio dos anos oitenta, depois de uma ida e volta a Frankfurt, alguma coia aconteceu que me bloqueou a vontade de voar. Ainda fui a Paris, já no início deste século, mas a experiêcia não foi muito estimulante. Nunca mais voei.
Em Agosto próximo, o meu sobrinho Kiko Pedreira vai casar nos Açores - não podia fazer-lhe a desfeita de faltar ao casamento.
(Avião em movimento na pista; são 15 horas em ponto)
Decidi então começar a "praticar": hoje vou ao Porto, dentro de dias desloco-me a Londres, à Feira do Livro, em fins de Abril estarei na Madeira para um encontro literário e em Agosto os Açores esperam por mim (São Miguel, Terceira, Faial e Pico).
(Vamos descolar. Afinal foi só uma aproximação à pista... Pequena paragem. Ruído enorme das hélices, aqui mesmo ao lado. Suponho que o comandante aguarda ordens. Arrancamos agora. São 15,14. Ruído ensurdecedor. Já estamos no ar).
É complicada esta coisa das fobias. Apoderam-se de nós sem sabermos bem como e de repente estamos prisioneiros. Quando aconteceu comigo, não foi só o avião: foram os ascensores, o metro, os túneis,até as salas de cinema quando ficava escuro. Pouco a pouco fui vencendo o medo. Faltava o avião.
Não está a ser tão difícil como pensava. Preparei-me psicologicamente ao longo de muitos dias (não sou diferente dos outros, há milhares e milhares de pessoas a voar em cada minuto, tenho perdido muitos sítios com esta mania mas ainda há muitos sítios à minha espera, etc., etc., enfim uma quantidade de argumentos capazes de vencer o "bicho").
E agora aqui estou. Totalmente tranquilo? Claro que não.
(Vêm servir bebidas e snacks; peço um copo de vinho -tinto, não têm branco. Converso um pouco com a minha vizinha do lado, uma jovem brasileira que estuda em Paris e vai agoa ao Porto visitar uns tios. Está a ler o "Paris é uma Festa", do Hemingway.)
São 15,42. Creio que daqui a pouco começaremos a descer. Neste avião pequeno, as pequenas oscilações enjoam-me um bocado. Mas não é muito diferente do Alfa Pendular.
(O vinho tinto é mau; sei que é um voo interno, mas podiam servir uma coisinha melhor).
Trouxe comigo para ler um livro da nova Vampiro - "O Grande Mistério de Bow", do Israel Zangwill -, mas até agora não lhe peguei. A leitura exige-me uma descontracção que francamente não tenho.
(Creio que estamos a descer. São 15.51. Registo que o avião é um ATR 72-600 de 70 lugares. Avisam agora oficialmente a descida. São 16 horas; devíamos estar no Porto, mas ainda só vejo núvens. No meio das núvens. Já se vê terra. Voando agora sobre o mar. São 16,06. Devemos estar a apontar a Pedras Rubras. Cada vez mais baixo. São 16,12. Tocamos terra. O avião imobiliza-se na pista.)Texto escrito em tempo real.
Então não é que perdi um livro que tinha requisitado na biblioteca aqui da escola e, quando fui ver o preço para encomendar um novo e assim substituir o perdido, descobri que a porcaria do livro custa ... aaaahhh ... mais de 150€!!! Ia-me dando um chilique.
A nossa simpática bibliotecária foi para lá de compreensiva e até disse que pode aceitar um substituto em 2ª mão mas mesmo assim o melhor que arranjei custou 88€. Apetece-me chorar.
Por acaso ninguém encontrou este livrinho esquecido num qualquer banco de jardim ou caixa de supermercado, não?
Vou até ali derramar umas lagrimitas e já volto.