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Há uns tempos conheci dois rapazes a entrar nos vinte anos, ambos no 1º ano de um curso de Engenharia, aqui no Porto.
Ambos eram simpáticos, rapazes agradáveis, muito - mesmo muito - aplicados nos estudos.
Um tinha feito o percurso até ao 12º ano num colégio privado de onde saiu com notas brutalmente elevadas. Anda tenso porque a faculdade está a ser muito exigente e ainda tem de a conciliar com o ginásio e com tirar a carta.
O outro andou na escola secundária de um subúrbio do Porto, quer acabar depressa o curso para ir trabalhar para o estrangeiro, onde já tem o pai, trabalha no Jumbo das 23h às 04h cinco dias por semana porque acha que já tem idade para ser um apoio e não um peso para os pais. Fala deles com extrema consideração.
Um é um miúdo querido, muito giro, por quem as miúdas devem cair para o lado. O outro é um homem. Interessantíssimo, por sinal.
Todas as semanas o programa Curso de Cultura Geral, que passa na RTP aos domingos à noite, me irrita. Domingo após domingo lá nos abancamos, eu e o meu marido, em frente à televisão na expectativa de ouvir uma conversa interessante e todas as semanas deixamos aquilo a meio quando percebemos que, mais uma vez, não vai passar de uma conversa sobre os participantes e só para os participantes, sem ligação nenhuma à vida das outras pessoas.
O fio condutor de todos os programas é muito promissor, figuras relevantes da cultura e da sociedade portuguesa que vão falar com a Anabela Mota Ribeiro sobre aquilo que lhes moldou a personalidade e o percurso na vida. Uma grande ideia, não é?
A chatice é que a maior parte das pessoas que lá vai soa tão alheada da existência de outras maneiras de ver o mundo que não a sua que me lembra o antigo chefe de uma amiga, um arquitecto muito conhecido no meio, que uma vez ficou muito surpreendido com a possibilidade de ela fazer uma viagem de trabalho de comboio sem ser em 1ª classe porque na cabeça dele essa hipótese nem sequer se colocava. A moderadora, embora seja bem mais esperta que eles nesse sentido, raramente é capaz (ou deseja) de os ligar à terra.
Mas nada do que acabei de dizer se aplica ao último episódio do programa. No domingo passado foi ... encantatório. Amei. Foi tão lindo, tão lindo!
Os convidados foram a escritoraça Isabela Figueiredo, que séculos atrás tinha comentado aqui, e que é uma personagem cheia de vida, muito lúcida e sem sonsices, a tradutora Vera San Payo de Lemos, de quem gostei muito - embora não lhe encontrasse a vivacidade dos outros dois convidados, achei bonito ela dizer que acha que teve sempre uma vida muito protegida e que tem dificuldade em lidar com as coisas negativas, quer dizer, esta capacidade de olhar para dentro de si e assumir uma coisa destas para ela e na televisão não é para qualquer um -, o artista plástico António Jorge Gonçalves que é ... uma maravilha. Gosto muito do que conheço do trabalho dele (ilustrou este livro) e já tinha a impressão de que é uma pessoa com muitas coisas para dizer que valem a pena ouvir e a impressão confirmou-se porque o achei mesmo encantador e tudo o que ele disse veio ter comigo e não saiu mais. A AMR também ajudou a manter o brilho e desta vez valeu por todos os outros que me desgostaram.
Ser-me-ia muito fácil escrever muito mais sobre as intervenções dos três porque ando a pensar nisso desde domingo mas para chata já basta isto.
O link fica aqui, podem ver o programa.
Há uns tempos, uma amiga que tem um filho com 11 anos perguntou-me sobre oficinas ou aulas em que o miúdo pudesse desenvolver o jeito que tem para o desenho. Eu fiquei a pensar e no meu caso, o que me ocorre são as idas à Gulbenkian com o meu pai, quando era pequeno.
As palavras não foram exactamente estas mas o espírito era este.
Alguém duvida de que um dia a construir um foguetão com caixas de cartão com o pai vale um ano lectivo de workshops de arte sofisticados?
Lá continuámos com a nossa vida, dizia eu. No caso do meu filho mais velho, continuar com a vida inclui dedicar um tempo considerável à correspondência.
Oferecemos-lhe um computador no último aniversário e um dos grandes interesses que ele tem na vida é a troca de emails com amigos e familiares. Eu estou sempre à coca, claro, verifico regularmente com quem anda a corresponder-se, o teor dos emails que manda e recebe e se não anda a ser inoportuno. O que constato é que, da agenda de contactos já considerável do meu pequeno, não há ninguém que não seja amoroso e não ache graça ao facto de ele gostar de escrever às pessoas e, desculpem lá, escrever maravilhosamente. A sério, desculpem lá o armanço mas ainda ontem li um email enviado por um responsável por um departamento da Câmara do Porto e pensei que o António, com 9 anos, faria muito melhor que aquilo. Isto diz um bocado de quão bem ele escreve e quão mal escrevia o funcionário da Câmara.
Adiante.
O António, no seu afã de correspondente, perguntou-me se podia enviar um email para o endereço que está no site dos Clã a dizer que tinha gostado muito do Fã e não vi porque não, disse que sim e ele lá mandou.
Uns dias depois, a resposta.
Fiquei tão sensibilizada com esta resposta tão amorosa! É que podiam ter respondido, ter sido simpáticos, mas esta resposta é muito para lá de simpática, é gentilíssima. Claro que o miúdo ficou contentíssimo.
Mas a história não acabou aqui.