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Tinha um post muito espirituoso, muito armado em divertido sobre a experiência de fazer uma ressonância magnética, em que me estreei na semana passada.
OK, é só um exame, pensava eu com tanta descontracção que a reflexão que me ocupou o espírito nos minutos anteriores, enquanto me despia e enfiava a bata (de rabo à mostra, irrra), foi ''ca gorda estou, acabaram-se as batatas fritas e o chocolate pela calada da noite''. Enquanto me enfiavam no túnel ainda me ria para dentro a lembrar a preocupação da minha mãe que se ofereceu para vir de Lisboa para me acompanhar nessa tarde (''o quê mãe?! para fazer um exame médico que demora 20 minutos?!'').
Depois, os minutos começaram a passar, o barulho ensurdecedor da máquina a bombar e o túnel a apertar e ninguém me vinha buscar, e cenas de episódios do ''Hitchcock apresenta'' com gente a sufocar a massacrar e aquilo acabou comigo quase a berrar.
Suportável mas deveras desagradável.
Quem escreve assim não é gago.
Sou fã de telenovelas. Tenho memórias muito nítidas do tempo pós-25 de Abril em que a versão original da ''Gabriela'' animava os serões da casa em que passávamos férias, em Sesimbra, ainda me lembro do tom de voz da F.E., amiga dos meus pais (ainda longe de imaginar que 14 anos mais tarde, ia perder o filho mais novo num acidente de mota), a rir e a comentar ''que seca, isto acaba sempre na melhor parte'' no fim de um episódio em que o Tonico Bastos escapa por um triz a ser apanhado pelo marido de uma das suas muitas conquistas. Os primeiros segundos de voz da Gal Costa a cantar a Modinha para Gabriela arrepiam-me a cada vez que os ouço. A telenovela que se seguiu foi o Casarão, por volta de 1977, e lembro-me perfeitamente de uma data de cenas e de muitos actores. Na banda sonora estava este clássico maravilhoso mas a música de que mais gostava era outra. Durante muitos anos não pensei nela, não fazia a menor ideia do nome nem de quem a cantava mas há uns tempos, já na era youtube, fui à procura e descobri que me lembrava da letra quase toda. Seguiram-se outras, uma data delas, Água Viva e a voz da Baby Consuelo naquela versão que prefiro às do Caetano (e que estranho é para mim preferi uma canção do Caetano na voz de outro que não ele), Guerra dos Sexos (uma moca), Sassaricando, Vereda Tropical (ria-me tanto com esta!), Dona Xepa (uma cena em que a D. Xepa usa o dinheiro da conta da luz para pagar um batôn à filha má ficou-me para sempre), divertia-me tanto com aquilo! Depois começaram a chegar as portuguesas, primeiro muito incipientemente, depois mais profissionalizado e em geral uma grande bosta, com muitos actores só com duas expressões faciais, intrigas de pastel e cenários de papelão. Depois do boom que nos oferece pelo menos três telenovelas a cada hora do dia, desinteressei-me do assunto e fui ver cinema francês mas a maternidade, as responsabilidades da vida adulta e a escassez de cinema bom na cidade do Porto não são compatíveis com vícios cinematrográficos por isso agora estes prazeres têm de ser mais desfrutados em casa. Muitas vezes sinto falta do escurinho do cinema chupando drops de anis longe de qualquer problema perto de um final feliz mas também não é nada mau abancar no pouf na companhia do marido depois de deitar os meninos e papar episódio atrás de episódio de algum das séries muito, mesmo muito, boas que para aí vão aparecendo. E muitas vezes uma telenovelazita também. Mas vai daí que ... na 2ª feira, com o dito marido às compras no Continente, o Vasco a dormir e um António em casa, já de férias, a implorar para fazer uma coisa especial ao serão e ir tarde para a cama, propus-lhe:
''queres ver a telenovela da SIC comigo?''
Alegria, alegria, quase se babava de emoção, embora sem fazer ideia do que uma telenovela é. Deitou-se no sofá com uma mantinha nas pernas - para ele, a ideia de conforto tem de envolver uma manta de polar, mesmo que lá fora façam 40 graus - e os pés no meu colo, que lhes ia fazendo festas. Expliquei-lhe brevemente que uma telenovela é uma espécie de teatro a imitar a vida real, apresentei-lhe os personagens à medida que iam aparecendo e ele interessadíssimo, a papar aquilo do princípio ao fim. Achou muito interessante a Maria da Gaiola Dourada aparecer ali sem o seu José e o facto de chamarem Vasco ao Tomé do Bairro do Panda mas gostou imenso. Reparou que um personagem ladrão tem a cara igual à de toda a gente, que a menina da cadeira de rodas tem filho, namorado e faz desporto, que a Laura é amiga dos filhos mas às vezes faz coisas más. Deve ser mesmo isso que os argumentistas querem e eu nada contra o meu filho de 7 anos ir aprendendo um bocadinho sobre a natureza humana a ver a telenovela. Na vida há lugar para tudo e não me importo nada se nos interesses dele coexistirem a trampa e a sofisticação. A única chatice deste novo interesse do António é que a ver o Sol de Inverno com ele ao pé não posso passar para a frente a toda a velocidade as cenas em que aparecem a Floribela e sua trupe.
Voltar a ouvir esta entrevista depois de ler este livro:
Tem uma certa piada que o Pessoal e Transmissível que mais vezes ouvi seja com um homem que diz coisas tão disparatadas como ''fazer contas é uma coisa completamente desnecessária, eu fiz a minha vida toda sem saber fazer uma conta''. Mas di-lo com tanta graça!
Diz de si que é um homem completamente livre e, conhecendo um bocadinho da biografia dele, deve ser mesmo. Acho-o encantador.
Foi o que uma pessoa me disse de outra, há bocado. Tanta raiva, tanta mágoa, tanto ressentimento, é muito triste.
Isto.
E como estou quase a fazer anos, pode ser que alguém se anime.
Para quem é ou tem miúdos que se entusiasmam com meios de transporte, a exposição que a Força Aérea oferece até ao fim da semana, em frente à Cordoaria Nacional, em Lisboa, é espectacular. Têm montes de veículos à disposição dos miúdos e graúdos que os queiram ver, mexer e entrar neles e são imensamente simpáticos e pacientes a respoder às resmas de perguntas que lhes fazem. O hit do lote é um avião F16 em cujo cockpit a miudagem se senta e vai conversando com o simpático rapaz que os ajuda. No sábado apanhámos ainda uma demonstração muito engraçada das habilidades dos cães militares. Ora vejam:
Passarmos por ali e vermos tanta maravilha à beira-rio foi uma coincidência que deu o fim de semana a ganhar aos meus filhos. Na verdade, ele já estava ganho, porque tinhamos acabado de dar uma volta nos elevadores de Santa Justa (à descida) e da Glória (na subida), tendo pelo meio apanhado com as bordas do piquenicão do Continente e com o palco do Tony Carreira. Sai-te!
Ainda tremi quando ouvi o jovem (piloto?) que ajudou o António a entrar no cockpit do F16 a perguntar-lhe ''gostavas de ser piloto?'' porque a resposta a tanta simpatia podia muito bem ter sido algo como ''sim, mas não é de uma porcaria de avião como este, é de autocarros da STCP''. Afinal parece que respondeu civilizadamente ''sim, mas não é de aviões de guerra, é de passageiros da Ryanair'' (tadinho, só conhece companhias low-cost).
Depois de um helicóptero e de um F16, o que se pode seguir? Só me ocorre mesmo o elevador da Nazaré, que a minha amiga Fungaga sugeriu, eu tive a insensatez de comentar ao jantar e de mostrar fotografias do Google e agora tenho que me amanhar a encaixar uma ida lá nas férias no verão. Fungaga, um piquenique em S. Martinho parece-me o mínimo exigível pela tua responsabilidade na coisa, hein?