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"Ao escritor cabe apontar uma luz forte para os cantos mal iluminados da sala. Não é preciso inventar nada. Só desocultar o que já lá havia."
Há nas livrarias um terramoto à espera de quem seja capaz de o atravessar e depois colar os cacos.
Quando li o conto deste autor que saiu no primeiro número da Granta, percebi logo que ali havia coisa promissora, diferente de tudo o que já tinha lido e muito melhor e mais perturbador do que quase tudo o resto. Quando comecei a ler as recensões nos jornais, desvairei-me para ter este:
Li-o, vou recompor-me e, assim que me sentir capaz, será a vez deste:
Aviso: nada recomendável a quem espera da leitura pacatos momentos de evasão.
A freira da Pop Art
Bruscamente, neste verão de 2013, duas paredes da Caixa Geral de Depósitos [Culturgest, Lisboa] transformam-se numa improvável catedral. Não se espantem. Na exposição ali patente, “Tell It To My Heart”, que reúne a coleção de Julie Ault, há uma secção fora do formato, em muitos sentidos. É a oportunidade imperdível para contactar com um conjunto radical de arte sacra assinada por uma freira de olhar doce, a irmã Corita Kent [1918-1986].
Contemporânea de Andy Warhol e de Rauschenberg, ela foi talvez a primeira artista a trazer uma dimensão religiosa à pop art. Enquanto Warhol celebrava em Nova Iorque (com mais ironia do que reverência, é verdade) a cultura de consumo e os seus ícones, Corita, numa escola de freiras em Los Angeles, utilizava a tipografia comercial e o grafismo da publicidade para comunicar outros ideais: a fé, a paz, a participação das mulheres na vida social, os direitos civis, a luta contra o racismo.
No mesmo ano em que Andy Warhol apresenta as famosas latas de sopa Campbell (o ano de 62), a irmã Corita pega num slogan da Pepsi ("Come alive, you're in the Pepsi generation!") e transforma-o em "Come Alive!", uma espécie de alogio à vida.
Era este o seu estilo: cortar, colar, recompor, recontextualizar o prolífero arsenal da cultura popular, tentando identificar onde quer que fosse, e sem nenhum tipo de constrangimento, uma mensagem de espiritualidade e de amor.
O Espírito sopra, de facto, onde quer. Não admira que a irmã Corita juntasse, nas mesmas serigrafias, ditos de Jesus e extratos da banda desenhada do Snoopy, canções do Beatles e textos de santos, discursos de Martin Luther King Jr. e frases de Beckett, poemas de Walt Whitman ou Rilke e palavras de ordem do grupo de rock psicadélico Jefferson Airplane.
E ela justifica-se assim: "Hoje a satisfação inifinita daquilo de que o homem tem fome surge-nos não só nos contos de fadas ou nos poemas, mas em outdoors, anúncios e reclames televisivos.
Quanto aprendemos a fazer com os mitos e parábolas, deveríamos também aplicar aos painéis publicitários. Em certo sentido, é tão simples como isto: tomá-los pelo que são, sinais. Glória a Deus pelas paisagens urbanas - elas tresandam de sinais. Glória a Deus pelas revistas dos escaparates - elas transbordam de publicidade."
Memoráveis são também as regras que, segundo ela, deveriam inspirar todo o trabalho de criação.
Regra um: procura um lugar que julgues de confiança e experimenta confiar nele por algum tempo;
regra dois: deveres gerais de um estudante - aproveita o melhor possível o teu professor; tira o melhor partido dos teus colegas;
regra três: deveres gerais de um professor - retira o melhor dos teus alunos;
regra quatro: considera tudo uma experiência;
regra cinco: sê autodisciplinado - isso significa encontrar alguém sábio ou inteligente e escolher segui-lo; ser disciplinado quer dizer segui-lo bem; ser autodisciplinado quer dizer segui-lo melhor;
regra seis: não existem erros; não existem vitórias ou derrotas, só existe o fazer;
regra sete: a única regra é o trabalho; se trabalhares, isso vai levar-te a alguma parte; são as pessoas disponíveis, a cada momento, para qualquer trabalho, que conseguem fazê-lo;
regra oito: não tentes criar e analisar ao mesmo tempo; são processos diferentes;
regra nove: sê feliz sempre que possas; diverte-te; é mais fácil do que pensas;
regra dez: "Quebremos todas as regras. Até mesmo aquelas que inventámos para nós próprios" (John Cage);
sugestões: continua sempre por perto; vai ou volta dos vários eventos; participa nas aulas; lê tudo aquilo que te cai nas mãos; vê os filmes com cuidado e muitas vezes; guarda tudo - pode vir a ser-te útil mais tarde.
José Tolentino Mendonça
In Expresso, 10.8.2013
Imagens: Trabalhos de Corita Kent
Ainda vou conseguir passar na CGD para ver...
O meu filho mais velho participou numa parte da nova campanha do(a?) IKEA.
Quando nos pediram para o incluir no lote de miúdos que ia participar na 1ª fase, avisaram-nos que, numa 2ª fase, teriam de fazer filmagens lá em casa com a participação de toda a família. Quando soube disto, fiquei, no meu intimo, a torcer para que ele não fosse escolhido para a fase seguinte, o que acabou por acontecer.
Agora que a campanha anda por aí a bombar, confesso, fiquei cheia de pena dele não ter sido incluído. A ideia é muito original, deve ter sido uma satisfação enorme para as crianças verem o seu projecto realizado e não é despiciendo, o facto do realizador ser uma pessoa de relevada competência dentro do meio. Até a exposição familiar acabou por não ser nada por aí além.
Tenho para mim que o que desmotivou os publicitários foi a confrontação que tiveram com a fronha dos pais.