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Sou uma contadora de histórias miserável e tenho imensa pena disso. Das histórias tradicionais só me lembro dos momentos principais e a minha escassa imaginação não chega para dar um fio condutor ao que lembro e muito menos é suficiente para inventar histórias a partir do nada. Assim sendo, para contar histórias aos meus filhos, vou-me socorrendo da leitura de livros (adoram, claro) e ao relato de historietas verdadeiras (com pormenores mais ou menos coloridos) do passado. Fazem um sucesso enorme as protagonizadas por mim e pela minha irmã quando éramos pequeninas, em que eu sou sempre a santa (e desengraçada) e a minha irmã a rebelde incontrolável (que faz as coisas com piada), numa correspondência bastante próxima da nossa realidade de há 30 anos. À conta de tais histórias, os meus filhos, pelo menos o mais velho, conhece perfeitamente toda a sua família alargada (e se é grande!), os vivos e os que já morreram, aventuras de viagens antigas, aquela vez em que a tia P. fez xixi no banco de um avião, ou da vez em que, na praia, fugiu atrás do homem das batas fritas com o rabo à mostra porque a mãe estava a meio do processo de a mudar de fato de banho. Sabe que, uma vez, o pai se estraçalhou todo numa queda de mota num país distante e que, nesse passeio, a mãe lhe ganhava à vontade em perícia, que no mesmo país a mesma mãe teve que ir comprar umas calças à pressa porque levou uma cornada de um certo animal que desfez as que tinha vestidas (não tem é a noção de que por milímetros essa cornada não a mandou desta para melhor), sabe que o avô e os irmãos uma vez subiram a uma árvore e fizeram xixi em cima da empregada que andava à procura deles e que o avô, no dia em que regressou do Ultramar, comeu um queijo flamengo inteiro. Sabem como foi no dia em que cada um nasceu mas acham mais piada à história do dia em que o primo F. nasceu. Eu divirto-me, eles divertem-se, ficam a saber de onde vieram e acredito que um dia isso os ajude a descobrir para onde querem ir.
Mas, neste momento, nenhuma história caricata que eu lhes possa contar consegue competir com a saga com que o pai começou há uns meses, sem imaginar a teia em que se ia enredar sem perspectivas de lá sair. A saga das ''Aventuras do Zé Aranha''.
Pelos vistos (eu não faço parte do Clube dos Amigos do Zé Aranha, normalmente estou a arrumar a cozinha), o Zé Aranha é um menino mais ou menos da idade do A., com irmãos, uma tal Nocas como prima (ou será irmã?), que vive aventuras muito interessantes. Já esteve em Nova Iorque (e a estadia rendeu mais de uma semana de histórias), acho que vive no Porto e, numa manhã desta semana, ao acordar, o A. informou-me que de na noite anterior, o Zé Aranha tido visitado a ... preparem-se ... Fundação Hello Kitty. Todas as noites perto da hora do jantar, perguntam (mesmo o pequenino) ''hoje temos Zé Aranha''? E têm sempre. É uma figura tão presente na nossa casa que até os meus pais, a 300km daqui e via telefone ou skype, se vão mantendo a par do paradeiro do Zé Aranha. Nem imagino como é que o meu marido consegue ir mantendo a coerência de uma saga que já tem mais episódios que as novelas da SIC. Como não toma nota de nada, deve ser difícilimo não falhar as relações entre personagens novas que estão sempre a aparecer e não entrar em contradição com aventuras de episódios anteriores (os putos dariam por isso imediatamente) mas, valentemente, vai conseguindo manter sempre vivíssimo o interesse do público-alvo. E seus avós. O lugar do personagem na nossa dinâmica familiar é tão importante que, um dia destes, começo a pôr lugar à mesa e cadeira no carro para o Zé Aranha.
Experiência a não repetir nos próximos anos: ouvir a primeira música do CD novo do Caetano Veloso, ''Abraçaço'', com filhos pequenos ao pé.
(Em contra-corrente com o que tenho lido, acho a capa pavorosa. Já o disco, esse é um es-pan-to)