Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Numa turma de 30 raparigas de classe média-alta do 8º ano num colégio de freiras de referência, há uma aluna com uma deficência motora que a faz andar a coxear e depender de uma muleta. Usa botas ortopédicas muito feias e tem um atraso cognitivo que lhe torna o raciocínio lento, a leitura vagarosa, a escrita pouco firme. É alarvemente gozada pelas colegas de turma que na escola lhe fazem a vida negra. Roubam-lhe a muleta e fogem pelo corredor a imitar o andar dela. Arrancam-lhe coisas da mão para a humilhar fazendo-a correr para tentar reaver o pertence. Troçam dela, chamam-lhe nomes. Puxam conversa para gozarem com as respostas. Inventam uma alcunha a partir do apelido dela e nunca mais se lhe referem de outra maneira. Durante vários anos lectivos.
As raparigas não são, nunca, veementemente repreendidas, castigadas, confrontadas na escola e em casa, com a maldade com que tratam a colega muito mais frágil.
Agora que também sou mãe, lembro-me deste episódio muitas vezes. Chamo-lhe episódio à falta de um nome melhor, não é um episódio. É uma recordação vergonhosa que anda atrás de mim, uma coisa muito séria, a concretização de algo que eu intuia mas esperava que não fosse comigo, a capacidade de ser má, o potencial para a maldade. Também penso na amargura que a mãe da colega devia carregar. Era uma senhora com porte despachado - enfermeira - que se apresentava sempre sorridente.
Se isto acontecesse agora, as colegas de turma e as suas famílias acabariam obrigadas a frequentar terapia familiar, a fazer serviço cívico, sei lá o que mais. Para nós, nunca houve consequências. Só o remorso a moer.