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Já vos tinha dito que ultimamente galgo pela cidade num exercício matutino que me dá algum gozo. Artilho-me com uns sapatos cómodos num misto de casual adaptado ao pseudo-formalismo de ferroviária e penduro os fones. Lá vou eu… É frequente rir-me sozinha com as galhofadas do Ricardo Araújo Pereira ou do Markl. Chego ao trabalho esbaforida, depois de palmilhar a cidade, mas com sentido de missão cumprida: contabilizo logo as hipotéticas calorias que terei assassinado.
O meu trajeto alterna a Av. da República com Av. Almirante Reis. Dois eixos extruturantes da cidade e em tudo antagónicos. Desde logo, a fauna. Na primeira, os clássicos espécimes ilustrativos do sector terciário – nada a dizer…- na segunda o melting pot étnico e cultural que exemplifica como a nossa cidade também se aculturou a vivências tão díspares. À medida que descemos a profusão ganha dimensão e o clímax acontece no Martim Moniz, no Centro Comercial da Mouraria, esse templo do exotismo. (Titi, ainda te lembras quando percorríamos as lojas de revenda?...) Bom, mas se a Mouraria é uma espécie de catedral, o Rossio é a basílica da diversidade. A concentração por metro quadrado de amostras do continente africano é bem representativa. Vão surgindo pela manhã e por ali se fixam em grandes tertúlias mesmo à frente do Teatro. Adoro observar. Acho tão curioso que estas gentes se fixem na nossa Lisboa. Somos uma cidade cada vez mais cosmopolita, é verdade.
Mas neste roteiro, o que me custa observar é o crescente número de sem abrigos. Gente perdida e sem réstia de dignidade, acamada em caixotes e sacos, sacudidos para os cantos. E penso sempre, mas sempre mesmo, que esta gente desafortunada teve certamente uma vida. Nesta observação, vem-me à cabeça o “Ai aguentam aguentam”…Sim, de facto, se pelos infortúnios inelutáveis desta vida, nos fosse suprimido o valor primordial da dignidade humana, pois com certeza que aguentaríamos, já sem capacidade de luta, vencidos, e entregues a um incondicional estado miserável de exclusão.
Enfim, nestas minhas caminhadas lá vou refletindo sobre temas diversos, desde as camas que ficaram por fazer e do que faço ao jantar, até às questões mais metafísicas que me despertem outros níveis de consciência.